CAMPO MINADO - CRÔNICA



        Comprei a casa imprescindivelmente, e, sobretudo, por causa dos jardins e da grama verde, fresca e com perfume de chuva. Em meus sonhos mais afortunados via-me deitada na relva, curtindo o sol, enquanto me comprazia com todo aquele panorama idílico. Coisa de cinema. Mudei imediatamente, de malas, plantinhas e cuia.
            Junto com a casa vieram os vizinhos. Simpatia de casal. Pessoal zen que acendia incensos, meditava e pregava o amor ecumênico. De uma educação à prova de balas, sorrisos fartos e generosos. Depois de um mês de lua de mel, o caldo entornou, é que junto com os vizinhos vieram os gatos. Não foi um, nem dois, nem cinco. De gatos encoleirados cheguei a contar doze e ainda tinham os agregados, já que a amável senhora oferecia a eles um self-service na porta de sua casa, que, lembrem-se de passagem, é grudada a minha. Não realizei na hora. Ainda estava embalada pelos juramentos feitos ao pé do ouvido no momento inicial da paixão e o relacionamento ia de vento em popa.
            O que acontece é que os amabilíssimos vizinhos não tinham semancol e ao acolher os gatos da rua triplicavam a quantidade de fezes e urinas nos meus canteiros. Que horror! Desculpem-me a expressão, mas era cocô para tudo que é lado. Os danadinhos ceavam na casa deles e defecavam na minha, é mole? A casa dos meus sonhos virou um campo minado e as plantas deram adeus aos dias melhores. Perdi as miniroseiras, o chifre de veado e até a espada de são jorge não aguentou o suplício. A árvore da felicidade tão resplandecente, tadinha, vivia tristinha que dava dó. Toda despenada. Eu? Hum! Não dormia e em meus pesadelos mais ditosos via me esganando aquela corja.
            Calma! Eu sou a favor de soluções pacíficas e bem é verdade que adoro animais de estimação: gatos, cachorros, papagaios e periquitos. Amo eles de paixão, juro! O que odeio são donos que não são cuidadores. Aí eu fico fula da vida mesmo. Piso na jaca. Cadê as caixas de areia???? Tem que educar os bichinhos, meu irmão, tem que educar.  Por isso tentei de tudo antes de tomar uma medida mais drástica. Conversas de conscientização resultaram no rompimento do relacionamento amigável e os vizinhos me deixaram no ostracismo. Fazer o quê? Pulverizei os gatos com água, abusei das essências de citronela, eucalipto e alecrim, forrei o jardim com naftalina e enxofre. Nada! Os despudorados continuaram a utilizar o miquitório da Tia Mônica. O cheiro ficou insuportável e já não podia nem mais abrir as janelas. Surtei na batatinha e parti para a ofensiva. Coloquei um rádio superpotente nos fundos do quintal, li na internet que esse método era infalível devido à superaudição natural dos felinos. Sem efeito. Juro de pé junto que o Tatá, o gato angorá cinzento, riu desenfreadamente da minha torpe tentativa. Cansei. Cansei de ser boazinha, minha irmã, dessa vez eu vou com tudo e depois procuro um padre para aliviar a consciência.
      Finalmente encontrei a paz e as plantinhas estão muito felizes, sim senhor, e mandam lembranças. Hoje, da varanda, escrevo estas linhas enquanto vejo meu jardim se entregar, sem medo, ao encanto suave do sol de setembro. Depois de muitas lutas, vencemos; mas tive ajuda, confesso. Adotei dois rottweiler que fiscalizam e fazem a ronda nos canteiros. Quero ver a cara do Tatá agora. Os gatos têm os mesmos direitos à vida como qualquer ser vivente. O mundo é para todos, mas cada macaco no seu galho, meu bem. 



F I M

De: Georgete Reis



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