Mentiria se dissesse que não tenho certa
simpatia por Zuleica. Pessoa de caráter
firme, trabalhadora, conseguiu construir sua casinha em Bangu com muito esforço
e determinação. Solteira e sem filhos, quase quarentona, tem energia de sobra.
Mulher de braços roliços, pele e cabelos da cor do assum-preto, faxineira de
profissão, chega até ser bem astuta quando quer, apesar do português
desafinado. Coitada! Não teve infância e sua vida foi só trabalhar, de sol a
pino, perdida entre um monte de trouxas de roupas pra lavar e sonhos
frustrados, por isso, não teve tempo para as coisas do colégio. Entretanto, a
admiração acaba num átimo de segundo quando o assunto é homens, valha-me deus,
ela deixa qualquer um de nós apoquentado. Aliás, para ela, só existe um homem e
ele se chama Erivaldo.
Além de ser condutor de trens da Rede Ferroviária
aposentado, precocemente, por causa de um acidente de trabalho que o deixou
manco de uma perna, Valdinho faz um bico como gerente de um posto de gasolina
em Irajá. O dinheirinho que ganha com as duas rendas permite que ele tenha uma
vida simples, mas bem confortável. É um cara simpático, bonachão e que faz
amizades com muita facilidade. Gente boa. Foi assim que conheceu a namorada
quando ela foi fazer faxina na casa de um amigo. Papo vem, papo vai, acabaram
se acertando.
No começo do namoro deles, os oito primeiros
meses, tudo transcorreu as mil maravilhas. Ele ia buscá-la no trabalho, levava
flores, faziam os passeios usuais que todo casal apaixonado faz: cinemas,
jantares em restaurantes, um passeio na praia ao entardecer, o barzinho da
esquina. Zuzu se deslumbrou com o tal do Erivaldo. Não estava acostumada a ser
tratada como rainha, tão conceituosamente. Seus namoros sempre terminavam em
pancadaria ou no Botequim do João, com no máximo uma cerveja gelada e aqueles
ovos cor-de-rosa, especialidade da casa. A solitária de Bangu gamou e perdeu o
prumo. Ligava para o trabalho do namorado mais de cem vezes por dia, mandava
mensagens por SMS, e mal o coitado chegava em casa, o telefone começava a chiar
descompensado. Zuleica, é claro! A
comichão era tanta, que ela chegou até a contratar um serviço de telemensagens,
com um caminhão abarrotado de coraçõezinhos vermelhos. Foi o maior mico.
Valdinho passou a ser chamado pelos colegas do trabalho de o Gostosão de Bangu. Ficou uma arara.
Desgamou na hora!
É claro que nós gostamos de ser elogiados,
amados e receber manifestações de carinho, mas o negócio é que a menina errou
no tempero, exagerou na dose. Valdinho acabou cansando e apavorado fugiu do
relacionamento. Terminou com ela e pela
primeira vez em um ano foi para a casa em paz. Para ele era página virada. Que nada! Não teve sossego. Zuleica continuou
na marcação cerrada como se nada tivesse acontecido e eles ainda namorassem.
Não arredou um pé e as ligações ao invés de diminuírem, aumentaram consideravelmente,
se é que isso é possível. Bom, pra
encurtar a história, Zuzu não aceitou o fora e continuou agindo como se ainda
fosse mulher de Erivaldo, que já não conseguia mais dormir ou trabalhar em paz.
Perseguido dia e noite, vivia num tormento e por mais que dissesse que não
queria mais nada com a moça, mas ela gamava e ignorava a situação. Coisa de
louco! Chegaram a se encontrar umas quatro vezes, só para o pobre rapaz reafirmar a separação que já duravam
dois anos. Ele já estava de saco cheio e sem nenhuma paciência. Seu maior
desejo era nunca ter conhecido a dita-cuja.
- Oi amorzinho? Pôxa...
Tô tentando ligar faz tempo e nada de você atender. Tava falando com quem?
- Não é da sua conta. Já
te disse que não temos mais nada um com o outro. Sou um homem livre. Vê se me
deixa em paz. Sai do meu pé, mulher.
- Não estou te entendo,
Erivaldo. Tá falando assim comigo, por quê? Arrumou outra mulher, é? Tá me
traindo?
- E se arrumei? O que
você tem com isso? Para de me ligar. Já te disse que somos apenas amigos. A.
MI... GOS. Entendeu agora ou quer que eu desenhe?
- Num fala assim comigo
não, Erivaldo. Desde quando se faz amor com amigos?
- Zuleica, pelo amor de
deus, estamos separados a mais de três anos. Não quero te magoar, mas essa
situação está ficando estranha. Coisa de doido, sô. Deixa eu dormir, pelo amor
de deus, são três horas da madruga e amanhã tenho que trabalhar. Seja sensata.
Tenha pena de mim.
E assim foi. Ano após ano. Ela continuava na ofensiva
marcando território e ele reafirmando
a sua decisão definitiva. Com o tempo, Zuzu foi adquirindo outra mania bem
desagradável que deixava o ex-namorado com os nervos tensos, falava
choramingando.
- Alô? Valdo, SNIF,
Valdinho, SNIF? O que tá acontecendo? Você não me procura mais. Deixou de me amar?
Liga pra mim, liga. SNFI. SNFI. Amor da minha vida, quando escutar a mensagem,SNIF,
liga pra mim, por favor, preciso muiiito falar com você.
De outras vezes surtava
no cabeçote e partia para a agressão.
- Cínico! Malvado! Atende este telefone. Atende! Vou aí, hein?
Você deve estar é de caso com alguma mulher. Só pode ser. É a Vaninha, né?
Aquela traidora. Isso não vai ficar assim, não, viu? Vocês me pagam.
Erivaldo emagreceu e
começou a faltar ao trabalho. Andava na rua com medo de esbarrar com a
dita-cuja que tinha se transformado no seu maior pesadelo. Tentou trocar de
telefone três vezes, mas ela sempre descobria o número novo. A mulher tinha
parte com o coisa-ruim. Só podia ser.
Acabou perdendo o bico no posto de gasolina. Na verdade até gostou, pois
era menos um lugar pra ela azucrinar, já que vira e volta a sua sombra aparecia
na loja de conveniência para assustá-lo.
Os telefonemas, as
aparições macabras em lugares públicos, as envergonhanças. A vida dele se
resumia nesse triangulo escuso. Não conseguia de jeito nenhum fazer a mulher
largar do pé dele. Não sabia mais o que fazer.
Depois de seis anos sendo
perseguido insistentemente pela Zuzu, de repente, ele acordou diferente. Alguma
coisa estava errada. Sentou na cama, olhou em volta e nada. Só o silêncio.
Demorou a perceber o que tinha acontecido. Só se deu conta quando pegou o
celular e não tinha registro de nenhuma ligação. Achou estranho. Correu para a
secretária eletrônica do telefone fixo para ver quantas ligações tinha.
Nenhuma. Naquele dia ele não dormiu de tão encafifado que ficou. Ficou sentado
no sofá, olhar fixo, esperando o telefone tocar até o dia raiar. O galo da
vizinha cantou anunciando um novo dia e... Nada. Pensou rapidamente em
comemorar, mas alguma coisa estava errada dentro dele. Não sentia alegria e sim
um vazio enorme lhe corroendo o peito e um bolo na garganta que não queria
sarar. O dia seguinte foi a mesma coisa.
Nada de telefonemas ou mensagens no celular. Só o silencio sepulcral. Não dormia mais e as olheiras aprofundavam.
Passou uma semana nessa agonia e não aguentando o rojão, ligou pra ela.
- Zuleica? Graças a deus!
Aconteceu alguma coisa? Você está doente, mulher?
- Quem fala?
- Como assim quem fala? Não
conhece mais a minha voz? É o Valdinho. – falou meio que desapontado. – roendo
as unhas.
- Valdinho? Ah sim... Oi
Erivaldo. E ai? Tudo em paz?
- E ai? Tá maluca? Tem
uma semana que você não me liga. O que houve? Fiquei preocupadíssimo. Tem
alguém aí com você? Estou escutando risos.
- Olha aqui Erivaldo, não
devo satisfação. Esta peseguição tem que acabar. Não aguento mais. Sei que você
é paixonado por mim, e coisa e tal, mas já to noutra. Meu filho, você precisa
aceitar a nossa separação. Somos apenas bons amigos. Bons amigos, entendeu?
Nosso caso está terminado definitivamente. Meu namorado é muito ciumento e não
vai gostar de saber que você vive grudado no meu pé. Se conforma e parte pra
outra. – Falou isso e bateu com o telefone na cara dele. Sem dó e nem piedade.
Depois de seis longos
anos, finalmente, Erivaldo conseguia o que queria. Mas vá entender as coisas do
coração, ele ficou chocado com aquela revelação. Sentiu uma punhalada no peito,
um desejo de vingança que lhe roia a alma e um ciúme insano. Começou a quebrar tudo o que via pela frente.
Destemperou.
- DESALMADA! PEVERSA! BANDIDA!
– Só sabia esbravejar isso, Ininterruptamente. – PERVERSA! PERVERSA! MULHER SEM
SENTIMENTO! -
Ficou assim por horas. As
horas se transformaram em dias, os meses passaram. Nunca mais o telefone tocou
e era Zuleica. Às vezes uma Maria, de outras Aninha, mas nunca mais
Zuleica. Com o tempo ele foi
desaparecendo no sofá, sempre esperando uma ligação que nunca acontecia. Dizia
pra si mesmo a mesma ladainha todos os dias:
- Zuleica vai ligar. Vai
ligar. Com certeza. Ela sempre liga. Ela
sempre liga.
FIM
De: Georgete Reis
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