segunda-feira, 22 de junho de 2015

TIRO AO ÀLVARO - Prosa



De tanto levar frechada do teu olhar.
Meu peito até parece sabe o quê?
“Táuba” de tiro ao Álvaro, não tem mais onde furar.
“Táuba” de tiro ao Álvaro, não tem mais onde furar.

Teu olhar mata mais que bala de carabina,
Que veneno estricnina,que peixeira de baiano...
Teu olhar mata mais que atropelamento de "automóver"
Mata mais que bala de "revórver".

Adoniran Barbosa

        Antes  de qualquer coisa, é preciso entender que escrita e oralidade são duas coisas que se completam, mas possuem papéis diferentes. A escrita tem o dever de seguir as normas da gramática em determinados contextos, enquanto a oralidade é livre, já que a língua é viva. Sim, ela é volúvel no bom sentido da palavra, já que ela se adapta a vários contextos de comunicação. Outra característica da linguagem é que ela sensível ao extremo e como a própria sociedade sofre mutações com o passar dos séculos. Transformações sociais, regionais, de gênero, grau de formalidade ou informalidade da circunstância vivenciada, etc.
         O principal objetivo da língua é criar uma identidade social e promover a integração social entre os interlocutores envolvidos no diálogo. Levando em conta esses aspectos fundamentais, a letra da música “Tiro ao Álvaro”, do compositor e cantor Adoniran Barbosa, não pode ser levada em conta como uma produção de texto ineficiente e com erros gramaticais, já que a Variação Linguística é um fenômeno que acontece em todas as línguas e não só no Português. É um fenômeno natural em todo o mundo. Os ingleses, os italianos, os franceses, todas as nações sentem o efeito dessa magia. E isso não é ruim, ao contrário, é magnífico, porque tem a ver com pluralidade cultural e olhares diversificados.                  

     “É através da linguagem que uma sociedade se comunica e retrata o conhecimento e entendimento de si própria e do mundo que a cerca. É na linguagem que se refletem a identificação e a diferenciação de cada comunidade e também a inserção do indivíduo em diferentes agrupamentos, estratos sociais, faixas etárias, gêneros, graus de escolaridade. “ (LEITE, 2002) 

        Adoniran Barbosa poderia ter escrito as suas canções e ter contratado um revisor para corrigi-las em busca de uma linguagem padrão formalizada.  Até mesmo porque, ele foi alvo inúmeras vezes de preconceito linguístico e grafocêntrico por cantar e escrever como falava, mas isso não honraria suas origens humildes ou espelharia a sua época. As músicas do cantor retratavam o cotidiano dos paulistas e dos imigrantes italianos de baixa renda em São Paulo. O mal que acometia o compositor tinha nome: Variação Social. Ele sofria e promovia a diversidade dos falares e sua principal função era representar a comunidade através das suas canções. O mestre do samba reproduzia o que vivenciava, sentia e via na Cidade da Garoa. Ou seja, ao som inesquecível de suas melodias construía sua identidade ao mesmo tempo em que representava sua classe social.

       “Não é fácil escrever errado como eu escrevo, pois tem que parecer bem real. Se não souber dizer as coisas não diz nada...” (MUGNAINI, 2002: 9)

      Enfim, o que estudos nos mostram é que o compositor sabia muito bem da importância que a repercussão de suas músicas teria na Sociedade Brasileira, mas o que ele almejava era atingir o princípio fundamental da comunicação: ser compreendido com empatia. Falar de igual para igual. Falar do povo e para o povo brasileiro, e o resultado, não se contesta. Foi magistral.

Georgete Reis

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